sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Serginho da Burra dá vida ao Papai Noel arretado de Goiana

No lugar do gorro vermelho e branco, um chapéu de couro. O trenó e a rena cedem a vez para uma carroça e um burro. O Papai Noel, que em Goiana, Zona da Mata, foi batizado Vovô Natalino, abandonou os traços originais e se travestiu de tons nordestinos. Distante do glamour polar, o personagem criado pelo artista plástico e patrimônio vivo de Pernambuco Zé do Carmo fuma cachimbo e balança o sino para chamar as crianças. Elas correm para perto do afeto doado pela figura não convencional do bom velhinho.

A indumentária improvisada do Vovô Natalino também inclui alpercarta de couro, cajado e um saco de estopa. Símbolos que remetem à vida simples do interior. O intérprete do personagem foge completamente da imagem popularizada do Noel. Sérgio Costa (Serginho da Burra), 33 anos, há sete encena o Vovô com seu porte longilíneo e desengonçado que empresta alegria à versão nordestina do mito de Natal. “Eu me divirto muito interpretando o Vovô e sinto orgulho”, conta ele, que trabalha voluntariamente.

Todo ano, dia 28 de dezembro, Sérgio abandona sua identidade para montar na carroça com destino certo: comunidades carentes como São Lourenço, Balde do Rio, Impoeira e Carne de Vaca. Os brinquedos, doados pela reserva ecológica Aparauá e a SBP Entretenimento, vão a bordo e estão em sintonia com a proposta regional do personagem: bola de gude, pião, mané-gostoso, reco-reco. “A ideia é entregar brinquedos populares para valorizar a produção dos artesãos locais”, explica.

Sérgio descobriu o personagem aos 17 anos, quando atuava como guia-turístico da cidade, há 62 km do Recife. “Ao me aprofundar na história de Goiana, descobri a obra de Zé do Carmo e o auto de Natal que ele escreveu com figuras sertanejas, entre eles o Vovô Natalino”, conta. Em 2004, conheceu o turista hondurenho Joseph Miller, que ficou fascinado pela releitura. Três anos mais tarde, quando retornou à Zona da Mata para instalar a SBP Entretenimento, Miller convidou Sérgio para dar vida ao Vovô.

Na casa de Luzimar Justino, 58, que mora em Impoeira, vivem 10 crianças. “Todo ano eles esperam o Vovô passar. É uma festa”, conta a moradora da residência estreita, mas com espaço para abrigar netos, noras, genros, sobrinhos. Wagner Figueiredo, 15, lembra da primeira vez que recebeu a visita do Vovô. “Estranhei a roupa, mas ele disse que era uma Noel diferente e eu gostei”, diz.


Vez por outra Sérgio sente a ponta da camisa ser repuxada por uma criança querendo saber os porquês da carroça, do burro e da roupa, hoje composta por calça marrom e camisa de algodão rústico. “Explico que sou primo do Papai Noel e que venho do Sertão”. Eles entendem, aprovam e ainda aprendem sobre a obra de Zé do Carmo. Para finalizar a performance, o Vovô solta a barba longa artificial e entrega a uma criança. Deixa um pedaço de si nas mãos de quem sabe que a essência do Natal transcende padrões estéticos.

Fonte: Diario de Pernambuco

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