No lugar do gorro vermelho e branco, um chapéu de couro. O
trenó e a rena cedem a vez para uma carroça e um burro. O Papai Noel, que em
Goiana, Zona da Mata, foi batizado Vovô Natalino, abandonou os traços originais
e se travestiu de tons nordestinos. Distante do glamour polar, o personagem
criado pelo artista plástico e patrimônio vivo de Pernambuco Zé do Carmo fuma
cachimbo e balança o sino para chamar as crianças. Elas correm para perto do
afeto doado pela figura não convencional do bom velhinho.
A indumentária improvisada do Vovô Natalino também inclui
alpercarta de couro, cajado e um saco de estopa. Símbolos que remetem à vida
simples do interior. O intérprete do personagem foge completamente da imagem
popularizada do Noel. Sérgio Costa (Serginho da Burra), 33 anos, há sete encena
o Vovô com seu porte longilíneo e desengonçado que empresta alegria à versão
nordestina do mito de Natal. “Eu me divirto muito interpretando o Vovô e sinto
orgulho”, conta ele, que trabalha voluntariamente.
Todo ano, dia 28 de dezembro, Sérgio abandona sua identidade
para montar na carroça com destino certo: comunidades carentes como São
Lourenço, Balde do Rio, Impoeira e Carne de Vaca. Os brinquedos, doados pela
reserva ecológica Aparauá e a SBP Entretenimento, vão a bordo e estão em
sintonia com a proposta regional do personagem: bola de gude, pião,
mané-gostoso, reco-reco. “A ideia é entregar brinquedos populares para
valorizar a produção dos artesãos locais”, explica.
Sérgio descobriu o personagem aos 17 anos, quando atuava
como guia-turístico da cidade, há 62 km do Recife. “Ao me aprofundar na
história de Goiana, descobri a obra de Zé do Carmo e o auto de Natal que ele
escreveu com figuras sertanejas, entre eles o Vovô Natalino”, conta. Em 2004,
conheceu o turista hondurenho Joseph Miller, que ficou fascinado pela
releitura. Três anos mais tarde, quando retornou à Zona da Mata para instalar a
SBP Entretenimento, Miller convidou Sérgio para dar vida ao Vovô.
Na casa de Luzimar Justino, 58, que mora em Impoeira, vivem
10 crianças. “Todo ano eles esperam o Vovô passar. É uma festa”, conta a moradora
da residência estreita, mas com espaço para abrigar netos, noras, genros,
sobrinhos. Wagner Figueiredo, 15, lembra da primeira vez que recebeu a visita
do Vovô. “Estranhei a roupa, mas ele disse que era uma Noel diferente e eu
gostei”, diz.
Vez por outra Sérgio sente a ponta da camisa ser repuxada
por uma criança querendo saber os porquês da carroça, do burro e da roupa, hoje
composta por calça marrom e camisa de algodão rústico. “Explico que sou primo
do Papai Noel e que venho do Sertão”. Eles entendem, aprovam e ainda aprendem
sobre a obra de Zé do Carmo. Para finalizar a performance, o Vovô solta a barba
longa artificial e entrega a uma criança. Deixa um pedaço de si nas mãos de
quem sabe que a essência do Natal transcende padrões estéticos.
Fonte: Diario de Pernambuco
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