sexta-feira, 3 de julho de 2015

Jornalista presta homenagem emocionante a Luiz Gomes

Foto: Basilio Augusto de Araujo





O astral acaba de receber uma figura ilustre e que sempre morou no meu coração. Mais uma estrelinha ganha os céus, onde fará companhia à esta Lua Cheia linda que tomou o alto do céu, iniciando o seu ciclo desde a última quarta-feira. Que tua alma seja acolhida durante essa transição entre os mundos, querido Luiz Gomes. Poderia até ficar triste com a sua partida, mas como um bom mestre que és, tenho a plena certeza de que você bem se preparou com toda a sua grandeza para a chegada deste momento.

Momento de um despertar transcendental. E sei que um mago que se preze é conduzido com muita maestria e sabedoria por este novo caminho. E assistência é o que não vai faltar na tua nova morada. Já faz mais de dez anos, mas lembro bem de Luiz dizendo que abandonaria o corpo no dia do seu aniversário ou muito próximo da data. Pois bem, o caboclo era tão conectado com os comandos da vida e o povo do astral que resolveu partir no dia em que completaria mais um ano de vida na terra (não sei exatamente quantos). E, na verdade, completou. Completou e fechou o seu ciclo nesta encarnação.

Conheci Luiz quando tinha 12 anos. Me lembro, como se fosse hoje e até me emociono fortemente, quando estava dentro do ônibus, voltando da escola (do Sagrada Família para Itaquitinga), e tive a honra de conhecer Messinho, amigo de Luiz e um querido que, também, adotei como amigo. Lhe disse o quanto gostaria de conhecer Luiz e ele fez a ponte para que eu chegasse até aquela casa linda, na Rua dos Martírios e realizasse um sonho de adolescente. Serginho da Burra foi quem me levou até lá. Fiquei tão encantada ao chegar na frente daquela morada, cujo tempo parecia não ter passado por lá. Era de tarde, entramos, lhe dei um abraço, senti bem a sua presença, lhe disse sobre a alegria que sentia em meu coração em poder estar ali, compartilhando aquele momento tão lindo com ele.

Chegamos bem na hora em que Luiz estava preparando o seu jantar. "Você é de Areia de São Sebastião, menina?". Então, começou a contar toda a história de Itaquitinga, com muita propriedade, com muito saber. Depois: " Ah, minha filha, eu me alimento duas vezes por dia. Não preciso comer mais do que isso. Quer um inhame para nutrir suas raízes?". Agradeci, deixei ele bem à vontade e comecei a explorar, com os olhos brilhando e a certeza de que não queria mais sair dali, cada canto daquele lugar mágico, onde tudo tinha o seu toque, onde tudo era arte. Me impressionei com uma cruz, que vestia uma camisa velha e rasgada, e que ficava bem no terraço do seu quintal, com os seguintes dizeres: "Ainda o realismo da crucificação, comigo muitos serão crucificados pela fome". Parei, e sem entender muito sobre a força daquelas palavras, fiquei lá, embaixo da cruz, refletindo, pensando.

Depois, Luiz da barbona - como era conhecido - me chamou lá no seu quintal para apresentar uns quadros divinos que estavam sendo pintados por ele. Luiz falava com tanto amor e entrega. Falava com tanta paixão por cada pincelada estampada naquelas telas e dizia: "Estou ficando velho e com muita dificuldade para enxergar, mas tenho algumas encomendas. Preciso finalizar o que prometi entregar". E eu não parava de olhar para ele, com aqueles trajes meio de monge, meio de mago. Uma barba branquinha, enorme e que exalava um cheiro tão bom. Um grande mestre da arte, dos contos.

Figura linda, ranzinza e amável. Passei a visitá-lo com uma certa frequência, sempre que largava do colégio, e com ele aprendi demais sobre a doçura e a simplicidade da vida. Foram tantos encontros valiosos. Depois nos distanciamos por um tempo e reencontrei Luiz numa troça de carnaval com um chapéu lindo, moldado por ele mesmo. No meio da muvuca ele cantava assim: "O meu chapéu tem três bicos. Tem três bicos o meu chapéu. Se não tivesse três bicos... não seria o meu Chapéu". Na época, Luiz - amante das festas de Momo - estava puto da vida com a desvalorização das manifestações populares no carnaval de Goiana e resolveu sair com a gente pelas ruas para protestar e fazer um auê, em cima de um carro velho, montado pela gente. E foi um astral. Foi lindo. Por onde a gente passava chamava a atenção com uns tambores, alfaias, maracás e aquele ser encantado, cheio de saberes e de alegria em seu coração, feliz da vida com aquela "baguncinha" gostosa.

Bom, se eu for contar tudo... esse post vira um livro. Só ontem (na última quarta-feira), soube que Luiz estava internado há 20 dias, no Hospital Belarmino. Soube que foram poucas as pessoas que lhe visitaram e que ele ficou meio que desassistido durante esse tempo. Isso me deixou triste e com o coração dolorido. Já estava pensando em ir por lá ontem ou hoje, mas ele resolveu partir antes. Vai na luz, meu amor. Vai na paz e no amor. Pega o teu cajado e vai se norteando nessa passagem linda. Hoje o astral está em festa e os nossos corações te mandam muita luz e muito amor.

Jamille Coelho
Jornalista da Folha de Pernambuco

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