A liderança da FCA no Brasil se deve em boa parte ao
desempenho da fábrica em Goiana, a mais moderna do grupo no mundo e cuja
presença é um contraste histórico com a atividade que dominava a Zona da Mata
até então, a cana-de-açúcar. Ainda que distante da capacidade total, os modelos
produzidos aqui, sob a marca Jeep, estão na linha de frente de vendas. Entre
fevereiro de 2015 e a primeira quinzena deste mês, foram produzidos 84 mil
veículos na montadora de Goiana. Na inauguração, a previsão era que se alcançasse
a marca de 250 mil unidades/ano em 2018, porém agora o discurso é de chegar a
essa marca de acordo com a demanda – mais alinhado com a realidade do mercado,
que se contrai diante da crise financeira.
Outra perspectiva para 2018 era chegar a empregar até 10 mil
pessoas no polo. Hoje são oito mil. Contudo, esse número já começou a alterar
cenários para quem vive na Mata Norte. Segundo dados do Ministério do Trabalho
e Previdência Social, nos últimos 12 meses terminados em março deste ano, o
volume de trabalhadores com carteira assinada em Goiana cresceu 10,48%,
enquanto em Pernambuco esse percentual foi negativo em 6,95%.
Ambos empregados da Jeep, Magno Martins, 26 anos, e Anderson
Souza, 29, estão entre as pessoas que ilustram esses números. Agora com planos
de fazer faculdade em engenharia da produção, Magno era mecânico em Paulista
(Região Metropolitana da capital), quando soube da vaga. Acabou entrando e
virando condutor. Hoje lidera equipes e supervisiona todas as partes móveis
acopladas às carcaças que saem da linha de produção. Anderson, supervisor de
mecânica, também lidera um time e lembra de quando pegava seis ônibus de linhas
regulares para ir ao trabalho antes de conseguir a vaga na Jeep – para onde vai
com um transporte só, pago pela empresa. Mas a lembrança mais marcante desde
que entrou na companhia é a viagem à Itália para treinamento.
Sócio da consultoria Ceplan, que tem acompanhado o
desenvolvimento do polo, Jorge Jatobá lembra que o impacto da chegada da Jeep
na vida dessas pessoas não se resume aos empregados, mas se expande pela
região. A poucos quilômetros dali, no centro de Goiana, é possível encontrar
exemplos disso. Cláudia Edja, 26, saiu da cidade vizinha de Nazaré da Mata para
dividir apartamento com mais quatro mulheres em Goiana. O esforço foi para
virar gerente da recém-inaugurada Mercadão do Brás, que já existe em Nazaré e
em Surubim (a 100 km dali). “A cidade está desenvolvendo e o comércio está
crescendo”, afirma.
“Surgiram oportunidades para a região e a situação
obviamente é positiva. Sem dúvida, o impacto da crise seria muito maior se não
fosse a Jeep”, comenta Jatobá. Ele lembra ainda que um ano é pouco tempo para
medir a repercussão do empreendimento, que consumiu R$ 7 bilhões em
investimentos. Além da maturação naturalmente necessária para indústrias desse
porte, há reflexos de projetos em implantação, como a Unidade de Testes, o
Campo de Provas e a Unidade de Projetos, que devem funcionar plenamente este
semestre. São três das quatro partes do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da
FCA, cujo Centro de Software foi inaugurado em dezembro passado. E, em 2017,
deve estar funcionando o segundo parque de fornecedores, em Itapissuma, com 800
empregos diretos.
Conflitos, calotes e atrasos
O caminho da FCA em Pernambuco não flui sem percalços. Entre
eles, estão disputas com a prefeitura de Goiana, projetos estratégicos ainda
não concluídos pelo poder público e calotes dados por um de seus fornecedores
no mercado local.
O empresário Fábio Sérgio, sócio de um restaurante em Goiana,
ainda tenta administrar a dívida de R$ 500 mil deixada pela Sumont, uma das
fornecedoras da Jeep durante a montagem da fábrica. Junto a outros
empreendedores locais, os prejuízos são da ordem de R$ 6 milhões, que ainda são
buscados na Justiça. A FCA não se pronuncia sobre o assunto. A Sumont não
retornou os contatos da reportagem.
Outro tema que a FCA prefere não comentar é o atraso na
entrega de equipamentos de infraestrutura. O Arco Metropolitano, contorno que
levaria o tráfego de Igarassu ao Cabo de Santo Agostinho sem passar por Recife
e pelas cidades mais próximas, continua emperrado no governo federal. A
expectativa é que o chamado “Miniarco”, cuja estimativa de conclusão é 2018,
atenue o problema: a rodovia estadual pedagiada contornará somente Igarassu e
Abreu e Lima. Outro investimento do governo estadual – que também só deve estar
pronto em 2018 – são as obras da linha de transmissão 230 kV e duas
subestações. A estrutura vai atender à demanda de energia elétrica de todo o
polo industrial de Goiana, mas com foco na Jeep.
No que diz respeito ao poder público, as relações mais
estremecidas, entretanto, são com a prefeitura de Goiana, que cobrou R$ 20
milhões à FCA referentes a 28 meses de IPTU. O caso foi levado à Justiça, que
deu ganho de causa em primeira instância à empresa. A FCA alega ter recebido do
prefeito anterior, Henrique Fenelon, a garantia da isenção. A FCA não comenta o
assunto e o prefeito da cidade, Fred Gadelha, não retornou os contatos da
reportagem.
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