“Chorei muito quando vi. Me senti no lugar dela”. O relato é de uma universitária de 19 anos, que, assim como a jovem de 16 estuprada por mais de 30 homens no Rio de Janeiro, também carrega a dor da violência sexual. Na noite de 29 de agosto do ano passado, ela foi abordada por um homem perto da UFPE. Além do abuso, foi estrangulada e teve pertences roubados num terreno baldio. Só conseguiu se salvar porque o suspeito achou que a tivesse matado. “Cada vez que vejo uma notícia como essa me sinto mal. Sigo com medo. Luto para que isso um dia acabe”, afirma.
De acordo com a Secretaria de Defesa Social (SDS), de janeiro a abril, 660 estupros foram registrados em Pernambuco, uma média de 5,4 por dia. Só de mulheres adultas, foram 254 vítimas. Já no Brasil, segundo dados mais recentes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram mais de 47 mil casos em 2014, uma ocorrência a cada 11 minutos. Um cenário que, por mais chocante que seja, não é o real, já que crimes desse tipo são subnotificados. “São raras as vítimas que denunciam. Envolve vergonha, medo, mas são crimes cuja representação contra o autor depende inteiramente delas”, diz a titular da 1ª Delegacia da Mulher, Ana Elisa Sobreira.
Desde que o caso da jovem carioca tomou repercussão, grupos e instituições têm se manifestado. Nas redes sociais, a Prefeitura do Recife postou frases de conscientização e de estímulo à denúncia, como “O beijo roubado de hoje é o estupro de amanhã”. Já a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PE) repudiou “o ato de barbárie extrema” e criticou “ a humilhação e escárnio públicos” sofridos pela vítima “pela divulgação de sua imagem e sofrimento na internet e nas redes sociais”, o que expõe a confiança “na impunidade”. Também lembrou o estupro coletivo sofrido por quatro adolescentes no Piauí há um ano. Uma delas morreu. Em Pernambuco, o caso mais recente foi o de duas jovens violentadas sob ameaça de uma arma em Parnamirim, no Sertão, na quinta-feira. O suspeito, de 32 anos, foi preso.
Para a comunicadora Joana Pires, do Coletivo Deixa Ela em Paz, é preciso discutir o problema de forma escancarada. “Ainda há muito pudor em falar de estupro e violência contra a mulher. A luta deve ser para desconstruir isso no dia a dia e exigir da sociedade um posicionamento mais claro. É um chamado que está não só nas redes, mas que toma cada vez mais as ruas”, reflete. Neste sábado (28), às 13h, o tema virá à tona na 6ª edição da Marcha das Vadias no Recife, com cobertura no Portal FolhaPE. A facilitadora do coletivo que organiza o evento, Ju Dolores, explica que o problema está ligado a uma cultura do estupro, que ocorre todo dia e se materializa na culpa imposta à mulher pela roupa que veste ou pelo comportamento que tem. “Fala-se de tudo, menos do criminoso. Não se fala dos homens e para os homens”.
A secretária da Mulher do Recife, Elizabete Godinho, destaca que a base dessas relações de desrespeito e desvalorização “estão fincadas nos esteios da desigualdade social”, como racismo e machismo. “Nenhuma mulher que passa por isso supera de imediato. Na condição de poder público, nosso desafio é ampará-las, ajudá-las a encontrar forças e a resgatar a dignidade”, diz, acrescentando que, só em 2016, o Centro de Referência Clarice Lispector atendeu 34 mulheres que sofreram estupro dentro da relação conjugal.
Folha de Pernambuco
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